sábado, 20 de julho de 2013

Acordei cedo. Fui até o quarto de Jorge. Ele dormia. Sentei no chão perto da cama e fiquei olhando pra ele.

Qual é o padrão de beleza? É só uma pergunta retórica, não quero uma resposta, não. Não acredito em um padrão de beleza. Se existe algo que mudou na história da humanidade são padrões de beleza. Basta visitar um museu e admirar algumas esculturas e quadros famosos para se certificar disso...

Jorge se enquadra em algum padrão. Sim, pra mim. Ele é belo com certeza. E olhando-o dormir, senti uma ternura imensa por ele. Gostaria de amá-lo. Mas não o amo... não como uma mulher ama um homem. Amo-o como a um irmão... a um amigo verdadeiro. Jorge é como se fosse uma extensão de mim. Não isso de alma gêmea, de cara metade. Mas algo tipo.... tipo se sentir em casa.

Não sei explicar muito bem. Se eu acreditasse em um Deus que fez as pessoas, diria que esse Deus fez... criou, digamos assim... criou Jorge pra minha vida ser mais leve, ser colorida, até. Acho que é isto mesmo: esse Deus, se existisse, teria criado Jorge pra me fazer bem... me fazer me sentir bem.

Era impossível não estar bem perto dele.

Mas meu coração não batia acelerado quando pensava nele... eu não suspirava por ele.

Você entendeu: sei os diferentes tipos de amor.

Ele acordou, olhou pra mim e sorriu. Acariciou minha cabeça e disse: 'bom-dia menina apaixonada... apaixonante...'

Eu  suspirei... ele já sabia. E eu me odiei por não conseguir esconder. A última coisa do mundo que eu queria era vê-lo sofrer... fazê-lo sofrer.

Ele levantou, pegou minha mão, me levou até a piscina, me abraçou e pulou comigo nos braços na água gelada...

Ele sabia... eu sabia... não havia nada que eu pudesse fazer... nem ele.

A gente estava predestinado a ficar juntos... de uma maneira ou de outra. Se existe um orquestrador de vidas humanas... havia escrito nossas histórias de forma a se entrelaçarem... a ficarem juntas.

É possível isso?

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Depois do almoço, Jorge me levou de volta pra clínica. Combinamos que iríamos nos encontrar no fim da tarde para correr na praia.

A tarde correu tranquila; atendi a cinco pacientes - nada novo; passei visita em dois pacientes críticos.

No quarto de um deles me comovi... sempre me comovo com o olhar da esposa sentada na poltrona olhando para seu marido na cama. Ambos sabem que eles têm poucos tempo juntos. Então ela fica lá, no quarto com ele, segurando a mão e olhando... só olhando. Olhos nos olhos, quando ele está acordado... quando ambos estão acordados, na verdade. Às vezes um dos dois cochila...

Acho lindo que no mundo existam casais assim. Só acho que deveria haver em maior quantidade...

Depois de corrermos na praia, Jorge e eu ficamos conversando até quase de madrugada. Acabei dormindo na casa dele. Não queria ir para casa.

Durante o dia, chequei meu e-mail mais de trezentas vezes, acessei o face em cada instante que podia... nada de Noa. Claro, né!? O que é que eu estava esperando!??

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Estávamos almoçando quando chegou um amigo nosso - Miguel.

Miguel acabara de chegar da Europa. Três anos lá. Maravilhosos. Acabara de voltar ao Brasil porque conhecera há dez meses Mônica. Apaixonara-se e voltava agora para o Brasil para casar com ela. Receberíamos o convite logo, logo.

É, a vida segue seu curso. Há um lógica nos acontecimentos de cada um. Eu teria de me encaixar nessa lógica. Apaixonada já estava... faltava marcar o casamento. Sorri um sorriso idiota quando esse pensamento me passou pela cabeça.

Por alguns instantes minha mente divagou... Noa deveria estar voando ainda. Dentro de algumas horas desembarcaria na África - de onde jamais voltaria. Então, eu que não tivesse pensamentos idiotas. Eu que me mantivesse com os pés bem no chão. Eu que me lembrasse da promessa a mim mesma: jamais casarei, jamais terei filhos... “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria”, é  assim que termina o livro que inaugurou o realismo no Brasil: Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, escrito em 1881, e tão atual como se tivesse sido escrito  hoje. Tão pessoal como se tivesse sido escrito pra mim.

E eu sorri... outra vez... E me peguei sorrindo ainda várias outras vezes nos dias que se seguiram.

sábado, 6 de julho de 2013

Almoço

Combinamos de almoçar num pequeno restaurante italiano muito simpático em uma das transversais da Beira-mar. Jorge foi até à clínica me buscar.

Eu não me canso da beleza desse homem. O seu cabelo preto, sua pele morena sempre me fascinaram. Mas na hora que eu o vi, parecia estar descobrindo a beleza naquele momento.

Ele estacionou o carro, desceu e me abraçou e beijou como sempre. "Hum... usando seu perfume preferido...", disse ele. "E hoje você está mais linda... está brilhando."

Pra início de conversa, não sou linda... talvez eu não possa ser  considerada feia... bonitinha, talvez... mas é só, mesmo.

Claro, sei me vestir bem, quem me educou na frente do espelho foi minha tia... e ela tem um gosto impecável e as roupas mais lindas, chiques e caras que alguém pode ter. Então, independentemente de eu estar apenas vestida para o trabalho, eu estava muito bem vestida. Vestido branco, sapatos italianos marrons - presentes da minha querida tia - e um colar de cristais coloridos maravilhoso... um Swarovski - presente da vovó.

Minha bolsa também era impecável. Como todas as minhas bolsas, é claro. 'Olhe para uma mulher... olhe para seus sapatos e sua bolsa.... você vai saber na hora se ela tem bom gosto ou não', sempre me dizia minha tia. Claro que ela dizia 'bom gosto' e eu ouvia 'dinheiro'.

Fomos colocando a conversa em dia. Jorge me contou de que iria participar de uma exposição de seus trabalhos em Buenos Aires daí a cinco meses e perguntou se eu não queria aproveitar e ir junto.

Só havia ido uma vez a Buenos Aires e não tinha gostado muito da cidade, não... 'uma cidade cinza... é assim que ela é pra mim', dizia eu. 'Buenos Aires é uma capital fantástica... você é que não soube olhar bem pra ela', brincava ele comigo. 'No dia em que você for pra lá comigo, eu vou mostrar a Buenos Aires que você não conseguiu enxergar', ele sempre falava. E eu sorria....

"Talvez eu vá... deixe-me ver como está minha agenda pra daqui a cinco meses", respondi pra ele.

No restaurante escolhemos nossos pratos: antepasto de abobrinha e berinjela; Espaguete com abobrinha e camarão; e Abobrinha recheada com carne de siri e hortelã.

Foi um almoço de abobrinha desviando de abobrinha. A sobremesa: Fregolatta.... tudo sensacional.

"Agora me conte o que aconteceu", falou Jorge, depois de fazer o pedido e tomar um gole de água.

Eu olhei bem dentro dos olhos negros dele, descrevi detalhadamente cada quadro do dia anterior, narrei cada minuto do tempo que Noa passara comigo.

E aqueles olhos negros que ouviam silenciosamente tudo o que eu falava sorriram porque perceberam que eu tinha encontrado o amor.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Cheguei à Clínica às 8:45....



Meu primeiro paciente seria atendido às 9 horas. Repeti exatamente as mesmas ações de todos os outros dias em que clinicava. Estacionei o carro no mesmo lugar... percebi que o jardim estava mais florido, mais colorido. Eu percebi... na verdade ele estava exatamente igual a sempre... (o senso estético de nosso diretor se estendia a qualquer espaço da clínica), mas eu percebi, eu realmente olhei pro jardim... dirigi minha atenção a ele... e olha que não sou nem tão ligada a flores.

Gosto das flores... claro - de cravos - principalmente... mas não sou uma fissurada que vê as flores em qualquer lugar que elas estejam.... flores, árvores estão no mesmo nível pra mim.

Não gosto de ganhar flores... quando alguém tem preguiça de pensar em um presente, dá flores...

Deixe-me dizer que gosto de nuvens... olho as nuvens, sempre com um deslumbramento infantil. As nuvens me atraem, as nuvens tem um quê de mistério. Estão aí e de repente não estão mais...

Acho que você entendeu a diferença da minha relação com as flores e com as nuvens :)

A manhã passou exatamente igual a qualquer outra manhã de consultório. Eu é que estava diferente...

E quem percebeu, antes mesmo de mim mesma, foi Jorge.

Ao meio-dia ele me ligou para saber se eu estava livre para o almoço... e eu disse 'sim'.

E ele: 'o que aconteceu? sua voz está diferente'.

'Nada', disse eu....

'Aconteceu, sim.'

Foi nesse momento, tenho quase certeza, que Jorge me sentiu apaixonada.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Ninguém é feliz....


Ninguém é feliz o tempo todo. Ninguém é infeliz o tempo todo.

O que é exatamente a felicidade? Érico Veríssimo disse que 'Felicidade é a certeza de que a nossa vida não está se passando inutilmente".

Bom, fico aqui pensando se há alguma vida que passa inutilmente? Acho que todo mundo é útil para alguma coisa... mesmo que essa alguma coisa seja pra mostrar como não se deve viver. Alguns são mais úteis, outros menos... não penso que haja um ser completamente inútil.

Pelo meu raciocínio, então todo mundo sente felicidade.

Mas, não é bem assim que funciona né!?

Não acredito que haja um estado pleno de felicidade... há sim momentos de felicidade e há o contrário também... momentos de infelicidade...momentos que se intercalam.

Tem gente que diz que há mais momentos de infelicidade do que de felicidade... Também não acredito nisso. Acho que há mais ou menos um empate entre eles.

O que acontece é que nós prestamos mais atenção nos momentos infelizes.... os felizes, muitas, mas muitas vezes mesmo, passam completamente despercebidos.

Acho que se hoje eu não estivesse tão infeliz, eu não iria dimensionar o tamanho da minha felicidade nos momentos com Noa ontem... certamente tudo o que aconteceu iria passar com uma percepção menor do que merecido.

Mas eu não estou de todo infeliz... há uma alegria enorme no meu coração. Ele sabe que agora está completo... então ele está muito feliz.... o que ele não sabe, não entendeu muito bem, ainda, que essa completude é clandestina....

É uma espécie de posse clandestina da sua outra metade - uma posse que se dá às ocultas, sem que o possuidor ou o proprietário da coisa tenha conhecimento.
 
É isso aí, lamentavelmente...


domingo, 30 de junho de 2013

O cansaço me venceu... adormeci por poucos segundos... pelo menos foi o que me pareceu quando o despertador tocou.

Não preciso de despertador. Todas as manhãs - normais - acordo exatamente um minuto antes de o despertador tocar... Acordar nas manhãs frias de inverno ou de verão (ar-condicionado sempre ligado no máximo = inverno no verão), com o despertador tocando ou não... simplesmente não é problema pra mim.

Hora de acordar é hora de acordar e pronto

Mas naquela manhã especificamente eu queria dormir pra sempre. Não no sentido de morrer, mas de apagar até o meu coração encontrar novamente a paz.

Que coisa mais incoerente. Conheci Noa há um dia.... um mísero dia. Agora só o que ocupa meus pensamentos é esse homem. Ocupou todo o espaço e deixou o coração tão apertado.

Claro, vou racionalizar tudo o que aconteceu do momento em que meus olhos encontraram os deles até o momento em que ele carinhosamente me abraçou e disse aquela maravilhosas palavras... e adeus.

Adeus não precisa ser pra sempre... já li isso em algum lugar. Claro, não precisa. Mas neste caso é pra sempre.

E quando penso nisso me falta o ar, dói o coração e eu me odeio por isso tudo. Como fui me deixar envolver? Por que segui o cheiro de festa? Por que a curiosidade de conhecer  quem fazia todas as enfermeiras, médicas... sei lá, acho que quase todas as mulheres da clínica suspirar?

Meu Deus como fui idiota. Eu estava tão bem... tão comodamente cômoda no minha área geográfica e emocional conhecida milésimo por milésimo.

E agora isso!!!

Não queria levantar da cama... e não  levantei... fiquei exatamente mais 2 minutos e só. Apesar de tudo, sou muito mais equilibrada do que você pensa.

Foi banho correndo, café correndo e pra clínica voando - como sempre. Não, não tão como sempre... alguma coisa ficou muito diferente em mim.

É possível sentir toda a alegria do mundo e toda a tristeza do mundo no mesmo tempo?