domingo, 31 de março de 2013

A avenida Beira Mar estava melancólica também, recebeu-me de braços abertos, poucos carros transitavam por ela e assim ela se dispôs a me fazer companhia... ou eu fazer companhia a ela.

Você conhece a Beira Mar Norte da minha cidade? Ela tem outro nome: Avenida Jornalista Rubens de Arruda Ramos, mas acho que pouca gente conhece-a com esse nome. É uma avenida movimentada, acho que mais de gente do que de carros, mesmo. Há pessoas caminhando, correndo, passeando, há ciclistas, patinadores, skatistas... em qualquer hora do dia, antes mesmo de o galo cantar, até altas horas da noite, faça sol ou chova.

E é lindo lá. São quase sete quilômetros de extensão, contornando a baía Norte. De um lado prédios luxuosos, de outro o mar. Nunca olho pro lado dos prédios. Não poderia nem dizer de que cor são, só sei que são luxuosos porque conheço algumas pessoas que moram por lá. E é gente cheia, cheia da grana. Então... tire sua própria conclusão.
Meu olhar se fixa no mar. Amo o mar. E é claro, não me esqueço de que estou na direção.

Vivo cercada de morte. Vejo a morte agindo diariamente; às vezes até duas ou três vezes no mesmo dia. Tenho medo da morte. Então presto atenção, muita atenção na estrada quando estou dirigindo. Mas dou espiadinhas no mar - é assim que você deve interpretar 'meu olhar fixo no mar', certo?

Não quero morrer. Sei que vou morrer, mas não quero... pelo menos não tão cedo. E vou lutar contra a morte, vou me agarrar à vida até o último suspiro.

Você já assistiu ao pôr do sol na Beira Mar? Não, então passe por lá num dias desses de calor, de céu claro, e veja com seus próprios olhos a maravilha que é. Pra não estragar a surpresa não vou contar como é :)

Cheguei ao hospital exatamente às 13:55. Não sei por que escrevi 'exatamente'... só pode ser 'exatamente', não pode ser 'mais ou menos às 13:55'... nem 'aproximadamente às 13:55'. Mas agora que escrevi e que você já leu, vou deixar como está.

A recepção continuava com cheiro de festa no ar.

Continua....

sábado, 30 de março de 2013

Na minha volta ao hospital uma onda de melancolia me invadiu. Era uma hora deliciosa do dia... o comecinho da tarde, a SC não estava muito movimentada e eu podia até me distrair olhando as montanhas verdes e amarelas ao longe... seguir os bandos de aves que vez ou outra passavam alheios a tudo ao seu redor. Certo, um olho se mantinha fixo na estrada.

Melancolia...."é a felicidade de estar triste", diz Victor Hugo. Minha melancolia é mais alegre do que triste, mesmo, nunca a deixo mergulhar-me no desespero. Tenho-a sob controle total. Deixo chegar, me invadir, permanecer o suficiente pra não me fazer sofrer. Depois mando-a pra outras terras, navegar outros mares. A minha melancolia, quando me separo de Jorge, é eterna, sagrada e doce.

Essa coisa de destino... não entendo muito bem. Cada um tem um destino, certo? Determinado por quem? Qual é o meu destino?

O Jorge seria o companheiro ideal. Tem tantas qualidades, gosta de tanta coisa de que eu também gosto, tem vida... uma vida que procuro por todos os cantos. Só nele até hoje encontrei vida assim. Vida que me completa, que me preenche, que me satisfaz. Com ele é como se eu tivesse voltado pra casa e que não precisava mais buscar nada. Paz... é o que Jorge me traz.

Mas ele segue um caminho diferente do meu. Ou melhor, sigo eu um caminho diferente do dele. Por quê? Quem escreveu esse meu destino? Eu queria que meu destino fosse o Jorge. Seria tão fácil. Seria tão perfeito. Seria tão certo.

Continua....

sexta-feira, 29 de março de 2013

Será que escolhemos nascer? Será que escolhemos morrer?

Talvez em algum reino desconhecido aos nossos sentidos, há um momento em que você diz: "Sim, eu quero ser... eu quero nascer." E a partir daquele momento, as coisas no Universo todo vão se ajeitando, conspirando para que você seja você. Tudo se arruma direitinho pra recebê-lo neste nosso planeta.

Será que há alguém responsável por eu ser quem sou? Um Deus? Um criador de tudo? Nunca tenho certeza de que exista um criador, nem de que não exista. A vida me diz que sim. Não toda ela, é claro. Há alguns aspectos da vida que claramente me dizem: não há criador nenhum... há o caos inicial, o caos presente e o caos final. E só.

Já a morte me diz que não. É impossível um criador - pelo menos não como pintado na Bíblia. Sim, já li a Bíblia todinha em busca de resposta...

Mas o que sei é que, havendo ou não um criador, escolhendo eu para nascer ou não, fui presenteada com Jorge. Passar horas com ele era o meu maior prazer, sempre.

Sentados à 'nossa mesa', como ele sempre dizia, almoçamos, conversamos, rimos... O tempo, definitivamente, é relativo... fiquei com Jorge uma hora que passou em cinco minutos.

Tive de voltar pro hospital, onde me esperavam cinco consultas e oito visitas aos meus pacientes  em estado terminal.

Também me esperava a mais bela surpresa com que a vida me presenteou.

Continua...

quinta-feira, 28 de março de 2013

Como a velocidade da luz... assim é que me movo quando vou encontrar Jorge. Não gosto de deixar as pessoas esperando e deixar Jorge me esperando gosto menos ainda. Então é na velocidade da luz que vou na direção dele.

Ele estava sentado naquela mesinha da foto de dois ou três blogs atrás. De frente para a SC - para poder me ver quando eu chegasse... eu sabia. Era sempre assim. Se eu andava na velocidade da luz pra ficar perto dele, ele não escondia nem um pouquinho que adorava minha companhia.

Ele se aproximou sorrindo. 'Meu Deus, como ele é lindo', pensei pela milionésima vez. Com uma camisa branca (ele quase sempre estava de camisa branca) de mangas curtas, uma bermuda azul bem escuro e sandálias... se aproximou, como sempre, cheio de vida.

A minha vida é cercada de morte. Conheço a morte de todos os ângulos, de todos os tons, de todos os sons. Você já sentiu o som da morte? É bem provável que poucas pessoas tenham se dado conta do som da morte quando ela está por perto. Normalmente, as pessoas estão preocupadas com outras coisas, ouvindo outros sons, e não percebem o som angustiante da morte. É horripilante.

Ainda bem que existe a música pra contrabalançar. Porque, depois de ouvir o som da morte, você leva muito, mas muito tempo mesmo, pra esquecer. O som fica gravado quase materialmente na sua cabeça. Ele fica lá tomando conta de todos os cantos, enchendo o salão. E é preciso música, muita música pra voltar ao normal.

Sabe por que moro bem de frente pro mar? Pra de noite ouvir as ondas batendo no costão e não ouvir o som da morte.

Ao contrário do que parece, não tenho medo da morte. Só não quero ela na minha cabeça enquanto estou viva. Quando chegar minha hora, eu vou, vou enfrentá-la com um sorriso cínico nos lábios, vou olhar olho no olho... com desprezo, depois vou seguir em frente como se ela não existisse. Porque, quando eu chegar lá, de uma coisa eu tenho certeza, eu tive algo que a morte nunca teve: vida. Eu ganhei: eu tive vida e morte. A morte só teve morte.

quarta-feira, 27 de março de 2013

O Café F. fica às margens da SC 401, no sentido das praias do norte da ilha, bem pertinho da entrada pra Santo Antonio de Lisboa. O meu amigo chegaria lá em 5 ou 10  minutos no máximo, dependendo do trânsito, que normalmente ao meio-dia é tranquilo. Eu levaria uns 20 minutos ou um pouquinho mais. Então voei...da minha sala até chegar à recepção do hospital.

Um clima diferente... seria uma festa? Havia um movimento de pessoas com caixas que entravam e se dirigiam para o salão que fica nos fundos do hospital. Fiquei curiosa, mas não podia me dar ao luxo de ir até lá para ver o que estava acontecendo... não gosto de deixar as pessoas esperando por mim.  A minha curiosidade vai ter de aguentar até eu voltar.

Saí, olhei pro céu... azul sobre a minha cabeça. Mas, lá ao longe algumas nuvens vinham dando sinal de vida... aproximando-se. Eram nuvens clarinhas, não pareciam trazer chuva... mas iam cobrir o sol, com certeza. O sol forte estava com as horas contadas.

Entrei no carro e aí sim, voei. Voei até a primeira lombada, o primeiro semáforo, a segunda lombada, o segundo.... até chegar ao elevado do CIC. Daí pra frente pé com tudo no acelerador. Em poucos minutos eu estaria com o Jorge.

Diminuí a velocidade e entrei no pequeno estacionamento em frente a uma loja de móveis. Como não há um espaço próprio do Café, sempre estaciono em frente a essa loja - que fica ao lado do Café. É claro que, como sou uma pessoa que respeita todas ou quase todas as regras, já havia perguntado se poderia estacionar aí quando fosse ao Café.

O céu começava a mostrar mais fortemente sua transição da linda cor azul para a não menos linda cor branca. Nuvens fofinhas, como flocos de algodão arrastavam-se preguiçosamente sobre  minha cabeça (e a de todo mundo que estava naquela parte da ilha naquele momento).

Saí do carro e clik rapidamente bati uma foto do jardim próximo ao estacionamento.
Tic-tac... tic-tac... tic-tac... Tenho de decidir rápido. O tempo passa rápido. A vida passa rápido. Não há tempo a perder. O que é perder tempo? Agora não posso perder tempo pensando, tenho de resolver rapidamente: ou almoço ou exposição. Ou alimento o corpo ou a alma. Aff! Porque não posso fazer as duas coisas ao mesmo tempo?

Liguei pro Jorge.

- Alô, florzinha! - na sua voz forte, exclamou Jorge.

- Oi, meu amigo querido - disse eu.

Mantenho sempre essa distância com Jorge. Deixo bem claro que ele é meu querido amigo querido... e só. Depois conto mais detalhes sobre isso. Agora estou com pressa e também com fome.

- Então, tás indo pra minha exposição? - perguntou ele.

Ele sabia que eu passaria para ver seus trabalhos e tinha combinado de encontrar comigo lá.

- Onde você está? - perguntei.

- Tô saindo de casa agora... indo encontrar você....

- Podemos nos encontrar em um lugar diferente? Você já almoçou? Quer almoçar comigo? - perguntei (lembre-se de que estou com pressa e com fome).

- Sim, podemos - respondeu com sua voz doce. Não, não almocei e sim, quero almoçar com você - com sua voz mais doce falou.

- Ótimo! - exclamei eu... pode ser no Café F.?

- Claro, pode ser... tô indo pra lá.

O Jorge mora em um lugar maravilhoso - Santo Antonio de Lisboa? Você conhece? Ou, pelo menos, já ouviu falar? Vou postar algumas fotos outro dia, hoje estou com pressa...

E o Café F. é bem pertinho de lá. Sabia que se não fosse rápida, ia deixar Jorge esperando muito tempo. E eu não gosto de fazer as pessoas esperarem... planejo tudo... me organizo muito bem, remember?

Peguei a bolsa, coloquei os óculos e voei pro Café...

terça-feira, 26 de março de 2013

Que dilema! Almoço ou visita à exposição de Jorge. E tem de ser rápida a decisão, não tenho todo o tempo do mundo pra decidir.

Algumas coisas na vida, a gente tem de gastar tempo pensando nos prós e contras de nossa decisão. Outras tem de ser decididas em questão de segundos. Por exemplo, quando decidi trocar a faculdade de jornalismo pela de medicina. Pensei, pensei muito... não era uma decisão entre um almoço e um passeio. Era uma decisão quase entre vida e morte, pra mim.

Já estava na segunda fase de jornalismo. Gostava do curso, gosto de escrever - na verdade, continuo escrevendo; a escrita pra mim é um hobby. Além disso, sou apaixonada por fotografia; o Jorge também é, nisso somos iguais. Na escrita e na fotografia, nossos hobbies - coletivos. Às vezes, nós dois ficamos fazendo competição, de brincadeirinha, pra ver quem escreve mais em menos tempo  - poesia. Sempre quem ganha sou eu. Acho que ele escreve mais devagarinho só pra me deixar ganhar. Só acho, ainda não tive certeza... vou continuar investigando rsrs.

E na fotografia também. Saímos por aí. Não falei que moro em uma ilha, né? Pois é, moro em uma ilha. Uma linda ilha. Devagarinho vou apresentando-a pra você. Do meu ponto de vista e do ponto de vista do Jorge. Então, saímos "per aí... desnudar este 'pedacinho de terra, perdido no mar.... beleza' ímpar, como diz meu artista preferido, fazendo referência ao Rancho de Amor à Ilha do poeta Cláudio Alvem Barbosa, o Zininho.

E saímos, o Jorge e eu, na acirrada competição por registrar o melhor ângulo. E quem sempre ganha? Adivinha?

Continua.... 

segunda-feira, 25 de março de 2013

Planos não passam de planos.... é eu sei disso. O planejamento é um processo de transformar ideias, emoções, paixões... esperanças em ação. E às vezes sua esperança não passa de esperança... você espera, espera, espera e nunca alcança.

Sei, a esperança é a última que morre... mas morre. Essa também morre. Está aí confirmada minha teoria: TUDO MORRE! E fim...

Bom, eu tinha planejado pra aquele início de tarde um almoço tranquilo, num lugar tranquilo (vc vai ver a foto). E depois ia dar uma passadinha na exposição de um amigo meu - o Jorge.

O Jorge é um artista. Admiro os artistas. Todo mundo tem de ser artista pra viver. Os artistas são duplamente artistas... são artistas na luta pela vida e são artistas na profissão escolhida. E o Jorge é lindo. Sabe aqueles homens lindos de propaganda de carro, de desodorante, de perfume e, agora, também de papael higiênico (o que eu acho um tremendo contrasenso, mas...). Pois é o Jorge é assim: lindo, lindo. Seus cabelos são escuros como a mais escura noite e brilhantes como o brilho mais brilhoso que existe. E os olhos? Nossa, os olhos de Jorge são de um negro profundo e, ao mesmo tempo, são claros como o mais claro dia. A alma do Jorge está nos seus olhos - e desconfio que os olhos do Jorge conseguem ver a alma de cada um de nós... só desconfio, nunca tive uma prova (mas continuo procurando).

Do que vou ter de abrir mão? Do almoço? Da visita à exposição do lindo Jorge? Que dilema!


Continua....

domingo, 24 de março de 2013

Falta pouco pro meio-dia. Ainda uma consulta. Já estou cansada. Apesar de acostumada a tratar com o lado doente da vida, ainda canso de ver o que inevitavelmente leva à morte. Pelo menos 90% dos casos que atendo terminam em morte.

E eu me sinto tão impotente. Quando optei por cursar medicina o que eu tinha em mente era: vou salvar o mundo... quanta ingenuidade. Mas acho que se eu não tivesse sido ingênua eu nunca teria feito nada por nada. Aprendi muito cedo que tudo sempre acaba. Que ninguém fica pra semente e que alguns vão cedo demais.

Atendi à última paciente e pensei no que havia programado para aquele início de tarde. Sempre programo, planejo tudo. Sempre esqueço que raramente o que planejo sai conforme planejado. Mas eu insisto... quero ser mais forte do que o destino, uso o planejamento como uma ferramenta. Não mais importante do que o martelo que pregará o prego, nem menos importante. Tudo sempre depende se quero pregar um prego em algum lugar...ou não. Às vezes quero, outras não.

Havia planejado almoçar no Café F. Uma salada de alface, tomates secos, palmito e folhinhas de manjericão. Nhoque de avocado (abacate) com folhas de manjericão, é claro. Sou fã de manjericão.

O manjericão é uma planta perfumada e as folhas são usadas como tempero em diferentes tipos de comida. Gosto de pesto, uma mistura de manjericão, pinhões e queijo parmesão.
 É um plantinha  parecida um pouco com a hortelã-pimenta, o que não é para admirar pois pertencem à mesma família de plantas. Já li bastante sobre o manjericão e sei que há uma enorme variedade:  manjericão de limão, manjericão de anis e manjericão de canela, todos com  sabores que sutilmente refletem o próprio nome. O nome científico do manjericão é Ocimum basilicum.

Outras coisas de que sou fã: saber o nome científico das plantinhas e dos animais que encontro por aí. E o significado, a origem das palavras... você vai perceber logo, logo isso.

Ah! e não posso esquecer a sobremesa, Macarons... dois ou três :)
Sobremesa-francesa-Macarons5
http://www.saboresdochef.com/tag/receitas-francesas

Continua...

sábado, 23 de março de 2013

Na verdade, nenhum de meus colegas se atrasa por que quer. Nenhum deles levanta de manhã e pensa: "Hoje vou me atrasar... vou deixar meus pacientes esperarem." Isso simplesmente não existe. O que acontece é que imprevistos acontecem, acidentes acontecem.

A vida é cheia de imprevistos e de surpresas... está sempre nos ensinando algo.

Meu primeiro paciente entrou na sala (aquele irritado, que disse que todo médico chega atrasado).

Era sua primeira consulta comigo. Fiz as perguntas de praxe e, em seguida, ele me relatou o que estava sentindo. Ouvi pacientemente e solicitei os exames necessários.

Depois de duas semanas, ele voltou. Os exames na mão, o olhar apreensivo. Adivinhei que ele sabia 'ler' um exame. A maioria dos meus pacientes chega sempre com um olhar de quem leu grego quando lê o resultado de seus exames.

Sabe o que senti quando olhei pra ele? Pena, muita pena. Ele sabia a vida que tinha pela frente. Ou melhor, a vida que não tinha pela frente. E eu... eu só tinha de confirmar. E foi o que eu fiz... morrendo de pena.

Pena. Sentimento confuso de descrever. Pena a gente sente de alguém incapaz, alguém que  está sofrendo. Queremos ajudar, mas percebemos que não temos na nossa mão o poder de diminuir, acabar com esse sofrimento. Sofremos com essa pessoa que está sofrendo.

Sofri muito no início da minha profissão... depois foi diminuindo. Hoje consigo dar as piores notícias sem me envolver emocionalmente. Acabei ficando fria. A vida me deixou fria pra eu conseguir seguir com a vida.

Quando senti pena do meu paciente irritado foi uma exceção... acho que foi porque primeiro senti raiva dele. Acho que é uma espécie de culpa, sei lá. Só sei que naquela manhã aprendi mais uma coisa: não devo sentir raiva de ninguém... sempre vai ser pior pra mim.

Continua... :)
Por que as pessoas têm mania de generalizar? Generalizar é fácil demais. Nelson Rodrigues, lá no seu tempo, já falava que “toda unanimidade é burra”. "Mulher só pensa em dinheiro." "Todo político é corrupto." "Todo mundo generaliza." Ops... acho que aqui está uma generalização não tão burra.

Mas, como eu estava dizendo, generalizar é fácil demais. E tem gente que não gosta de se esforçar. Pra pensar, pra separar, a gente tem de pensar... e aí não dá pra generalizar. Senso comum é bom, às vezes; noutras é melhor ter seus próprios argumentos ao declarar que pensa o que pensa, do jeito que pensa.

Lembro que fiquei irritada ao ouvir o que ouvi. E me sinto irritada agora que escrevo sobre aquele momento daquele dia tão contraditório, tão antagônico.

"Bem coisa de médico, atrasar." Eu, sou médica, e não me atraso. A vida, as circunstâncias, às vezes, me atrasam. E aí!? O que vou fazer? Como vou fazer? Não está no meu controle evitar que acidentes aconteçam e eles acontecem, como acontecem.

Lembro de um dia que uma mãe chegou desesperada em meu consultório porque seu filhinho de oito meses havia engolido um grãozinho de feijão cru. Lembro que ela entrou gritando: "Doutora!! Um acidente horrível.. meu bebê...(e entre lágrimas) engoliu um grão de feijão".

Lembro que me deu uma vontade de rir. Eu engulo dez, doze grãos de uma vez só... e nunca me aconteceu nada - pensei. Pensei! Não falei. Apenas acalmei a mãe - com uma radiografia, é claro - mostrando que a barriguinha do seu bebê estava intacta. Nenhum pé de feijão havia crescido naquele ambiente quentinho, tão propício para plantinhas nascerem (esta última frase é uma brincadeirinha, viu?).

Nem todo médico se atrasa porque quer... e médico tem senso de humor, sim. Mente quem diz que não.

Continua....
Naquele dia, aconteceram tantas coisas. Primeiro foi um acidente no túnel onde passo diariamente para ir trabalhar. Dois mortos. Estou tão acostumada com acidentes, feridos, mortos. Sempre dizem que a gente se acostuma com tudo. É verdade.

Lembro da primeira pessoa acidentada que atendi. E ela morreu cinco minutos depois de eu colocar as luvas pra começar os procedimentos. Não deu tempo pra nada. Ela estava aí e logo depois não estava mais.

Lembro do choque que levei. Minhas pernas ficaram bambas, tive de sentar. E disfarçar... essa foi a pior parte, disfarçar que não estava envolvida.

Lembro das aulas na faculdade de medicina. Um professor bem velhinho sempre dizia: "O primeiro morto nas suas mãos é um choque". "Depois você vai se acostumando que as pessoas morrem e aceita que as pessoas morrem com a mesma naturalidade como elas nascem", completava ele, sempre.

Lembro que eu pensava: Não, não levarei um choque... e também não me acostumarei. Ledo engano, levei um choque sim e também me acostumei.

Então, o acidente no túnel causou o maior congestionamento. E, embora eu tenha saído de casa com tempo suficiente para até dar uma volta no parque próximo do hospital onde trabalho, cheguei atrasada. Cheguei 45 minutos atrasada. Quando entrei no meu consultório, só ouvi meu primeiro paciente irritadíssimo dizer: "Bem coisa de médico... sempre atrasados".

Lembro que pensei: "Esse cara não sabe de nada".

Continua....
Meu nome é... bem, isso não importa agora. No decorrer da história você vai saber... ou não. Você verá que não fará a menor diferença. Meu nome é só um detalhe irrelevante. Acho até que o nome de qualquer pessoa é irrelevante. Qual a diferença se me chamo Ana, Márcia, Pedro ou Marcelo? Nenhuma né?

Claro, se sou Ana ou Márcia sou do sexo feminino... se meu nome é Pedro ou Marcelo, sou do sexo masculino. Essa é a maior diferença... que também não sei até que ponto é importante. Mas vamos deixar de papo furado... vamos começar minha história.

Hoje acordei cedinho, olhei pela janela... sempre olho pela janela. Vejo o céu azul em alguns dias, cinza, em outros... ou todo branquinho de nuvens que mudam de aspecto a cada segundo. Assim é o mundo... muda a cada segundo. E é também sempre o mesmo. Assim é a minha vida, cada dia um dia... igual ao outro e também completamente diferente.

Sentei na cadeira ao lado da cama e me pus a pensar. Penso, penso, penso... acho que penso demais. Por isso gosto de dormir; porque enquanto durmo não penso.

Comecei a pensar no dia em que vi, pela primeira vez, DMD ... que é uma pessoa do mundo real. Mas, como não posso expor vou chamar de Number One. Gostou, caro leitor? Sim, eu sei que sim.

Então, vi Number One pela primeira vez em um momento em que o sol estava bem fraquinho. Naquele dia, o sol tinha aparecido com toda a sua força no horário de sempre... e foi, devagarinho, devagarinho, ficando fraquinho. Lembro que no início da noite até caiu uma garoa fina.

Continua.... :)